Essa semana fiquei muito comovida com uma história que vi ao rolar meu feed infinito do Instagram, a do peixe-diabo negro. Uma criatura magnífica e que nunca se vê por aí.
Na verdade, a história tem mais a ver com uma das tantas charges feitas a partir do episódio do peixe-diabo que, na realidade, era uma peixa. A essa altura todo mundo deve saber que esse tipo de peixe vive nas profundezas escuras do mar, muitos e muitos metros abaixo da superfície. De 200 a 2000 metros. E creio que, como eu, algumas pessoas ficaram se perguntando sobre o motivo de a peixa estar na superfície, e sobre seu tamanho diminuto. Em um dos registros do peixinho, o fotógrafo é fotografado fotografando. E a gente descobre que o peixe é pequenininho. Minha cabeça também estava povoada pelo imaginário construído em Procurando Nemo. Esse peixe só poderia ser enorme, se comparado a Dory e Nemo, na cena em que o encontram. Só que o bichinho tinha 6 centímetros. Os machos têm em torno de 3cm e as fêmeas até 20cm. Mas tudo isso que digo é supérfluo.
O que me comoveu foi a charge em que se especula o motivo da ida à superfície. Ela mostra o peixinho indo em direção à luz e depois já caído na areia de uma praia dizendo algo como valeu a pena, é tão bonito.
Fiquei muito pensativa. Sei que essa charge diz mais de nós humanos do que dos animais. Não dá para saber se a peixa queria mesmo ver como era o mundo na superfície, embora eu não descarte essa possibilidade. Vai saber. A Vinciane Despret tem um livro todinho com esses exercícios de imaginação e reconfiguração dos discursos. Se chama O que diriam os animais?
O que dá para dizer é que eu me senti como a peixa da charge. Me identifiquei. Me comovi. Eu não quero entrar aqui no que é bonito e no que não é. A questão não é o belo. “Ai que a luz é maravilhosa e a escuridão é feia.” Nada disso. Quero dizer apenas que vale se mover e se perder para procurar coisas bonitas. Quero dizer que a busca, o movimento, é a viagem, é o que vale. E talvez, com sorte, a gente encontre mesmo algo lindo.
Foi isso que me tocou. Acreditar no que é lindo (pode ir fundo, isso é que é viver – exatamente agora toca Chuva de Prata, na voz da Gal, e eu acredito no acaso). Acreditar que existem coisas lindas nesse mundo ainda. Elas têm que existir! Tenho me sentido tão esmagada pela ideia de fim do mundo, pelo excesso de consumo de informações que quase sempre são horripilantes. É muito muito difícil estar lúcida nesse tempo. Mas não estar é pior.
Esfrego aqui as mãos no alecrim que troquei de vaso ontem, tiro uma folhinha para ficar cheirando. Meu gato vem tentar um colo e agora farei uma pausa para estar com ele. Pequenos prazeres.
Tempos atrás fiz uma tatuagem. A frase de uma música
belezas são coisas acesas por dentro
Fiz a tatuagem para me lembrar de que sou uma pessoa bonita.
Uma vez, depois de um longo dia de trabalho, encarei duas horas de ônibus para estar na festa de aniversário de uma amiga querida. Ao chegar lá, me olhei no espelho e comentei: estou com olheiras enormes. Um amigo disse: por que tu não passa alguma coisa? Um corretivo. Eu não queria passar um corretivo, eu queria descansar. Mas eu também queria estar com as pessoas, mesmo cansada e com olheiras. Talvez eu é que nem tinha que ter comentado. Fiquei meses pensando pensamentos, conversando conversas, prestando atenção nas obrigações da autogerência de qualidade. No quanto é desgastante. E decidi fazer a tatuagem como um lembrete.
O que me deixa bonita não é o corretivo. Sou bonita, porque tenho essa curiosidade acesa em mim, uma curiosidade de mundo, que vem de muito cedo e de muito longe. De achar bonito e assombroso viver. De ficar estarrecida com o olhar do meu gato e com uma peixa de águas profundas desejando ver a luz (sim, essa é a fic). De achar – e eu acho mesmo – que todas as pessoas nascem com esse brilho dentro. Só que o próprio mundo e sua máquina de moer gente, vai nos apagando, nos desgastando, nos normatizando, nos oprimindo, nos mutilando. Em muitos casos nos matando. Agora a minha gata chega miando, como se me contasse alguma coisa, vem e pede carinho. Eu dou. Eu pergunto. E vamos ficar nesse papo por um tempo.
Essa noite eu tive insônia. 3h40 acordei. Tentei dormir de novo. Tentei técnicas de respiração. Técnicas as quais lembrava pela metade. Fui tentando. Mas vi que não ia rolar mesmo. Quase amanhecendo, decidi pegar o celular para rolar o feed infinito – uma péssima decisão – e talvez achar alguma coisa entediante para voltar a dormir ou uma coisa bonita.
E dei a sorte de achar uma coisa bonita. Não foi a peixa. Essa eu já tinha visto antes. Foi um vídeo do Edgar Morin. Um fragmento. Curtinho. Em que ele diz acreditar que existe algum mistério que faz com que o mundo exista, que as estrelas existam, que nós mesmos estamos aqui por conta desse mistério. Ele diz que acredita nisso mesmo sem poder nomear ou ter uma compreensão. Mas o que o deixa assombrado é como a gente se assombra pouco com o fato de estarmos vivos. Ali eu despertei mesmo.
Eu não quero nadar até a superfície para encontrar uma luz e morrer na praia. Eu quero viver as coisas acesas por dentro todos os dias. As pequeníssimas belezas e as grandiosas também. Eu quero poder mergulhar e voltar e boiar e talvez quem sabe ser engolida e cuspida por uma baleia jubarte. Ou receber uma cabeçadinha da minha gata, porque ela sabe que horas são. E é a hora de comer. A vida é mesmo assombrosa em seu horror inglório e em sua beleza estupenda e cotidiana.
Estou parecendo uma personagem do meu próprio livro. Perdida e achada. Feliz e aterrorizada de ser iniciante em alguma coisa, de estar cansada de saber que as condições ideais de navegação não existem. E ainda assim querer entrar no mar.
“Quero dizer que a busca, o movimento, é a viagem, é o que vale. E talvez, com sorte, a gente encontre mesmo algo lindo.” Texto inspirador. Obrigado pela lindeza.
Que texto maravilhoso! Acho que o nosso desafio dentro dessa “auto gerência” seja descobrir como o fazer sem cair nas artimanhas do neoliberalismo, né? Não quero fazer gestão de tempo nos tempos de hoje, quero ter tempo pras coisas.